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Ateliê Daki

Neto me chamou por mensagem de celular informando que o local é de fácil acesso, em uma das avenidas mais movimentadas do bairro. O trajeto seria simples. Do local onde eu me encontrava, pegaria apenas um ônibus até um terminal de ônibus e, de lá, pegaria outra lotação até à rua Rogério Fernandes, nº 20, Jardim Reimberg. O trajeto de fato foi fácil, não durou mais do que 20 minutos. Após duas conduções, subidas, descidas, ruas pavimentadas, ruas esburacadas e muita chuva, cheguei.

Estamos no Grajaú, um dos bairros mais populosos do município de São Paulo. Localizado no extremo sul da cidade, distante a mais de 30 quilômetros da praça da Sé, marco zero da cidade, na manhã daquele sábado, 14 de outubro de 2017, caia uma garoa fina, típica nessa época do ano. Apesar do frio com ventos fortes, as ruas estão movimentadas. Entre um papo e outro com o motorista do ônibus que me levara até o local onde Neto me esperava, o condutor do veículo me disse: “aqui o dia começa cedo, jovem; ninguém dorme no ponto, não”. De fato, às 9 horas manhã, no terminal Grajaú – o local que fiz baldeação para chegar ao meu local de destino – o movimento era intenso. Intenso como um dia útil da semana.

Neto me esperava dentro da casa, com o celular na mão, de olho nas minhas mensagens, evitando que eu me perdesse. A casa nº20 está localizada quase numa esquina movimentada, com uma árvore na frente, em um terreno acidentado que, pela parte de trás, se tem à vista praticamente toda a região do Grajaú e dos bairros vizinhos.

Com um portão de grades de ferro e as paredes com desenhos e grafites feitos pelos próprios frequentadores, o local é, de cara, convidativo, sobretudo porque destoa das demais residências das ruas, onde predominam as construções sem reboco e tijolos cor laranja amarelado a mostra. Naquela casa está instalado o Ateliê Daki.

 

***

 

Neto Lopes é um homem alto, de braços fortes com tatuagens, barba por fazer e piercing encravado no nariz. Apesar do tempo que fazia na manhã daquele sábado, ele me recebeu de bermuda e camiseta.

Tendo começado uma graduação de Publicidade e Propaganda em uma universidade privada, desistiu no segundo ano do curso. “Cheguei à conclusão de que aquilo não era para mim: vender algo para enganar as pessoas? ´Tô´ fora; não condiz com minha realidade”, ele disse no final do nosso encontro.

Morador do Cantinho do Céu, bairro localizado no final do Grajaú, às margens da represa Billings, Neto largou a propaganda para ser educador social. Trabalha em um centro de educação para crianças carentes, que tem parceria com a prefeitura de São Paulo.

Na sala do Ateliê Daki, ele discute com outros jovens presentes o roteiro de um videoclipe que estava sendo produzido pela equipe do Daki. Em pé, próximo à porta, entre um cigarro e outro, opina sobre o rumo do texto, uma frase mal colocada, as pausas, enfim, acompanhava de perto cada passo do processo de criação e construção de ideias.

O Ateliê Daki é uma casa de dois andares, com garagem na frente, corredor ao lado que dá acesso aos fundos onde, descendo uma escada, chega-se a um espaço muito semelhante a uma casa de fundos. A porta de entrada no corredor ao lado, onde Neto fuma seus cigarros e produz o roteiro do videoclipe, dá entrada a um espaço que, numa casa comum do bairro, seria a cozinha. Com paredes pintadas de preto e o teto branco com uma luminária no meio, o espaço serve de ponto de encontro para reuniões do grupo. Uma profusão de cores na mesa-de-centro completa de jornais do bairro e panfletos de exposições de arte e um livro d´Os Gêmeos, grafiteiros nascidos na periferia de São Paulo, condiz com o pano colorido de flores que cobre o sofá de três lugares e duas almofadas amarelas.

O local é simples. Além do sofá e mesa-de-centro com suas cores, há um rack com a TV, que serve de monitor para o computador, uma estante com alguns livros que vão de “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro, “Tratado Sobre A Clemência”, de Sêneca, ao “A Cabana”, de William P. Young. Uma tela na parede com folhas coloridas pintadas a óleo faz parte da decoração, assim como alguns objetos produzidos no local com material reciclado.

Há outras duas salas no térreo. Nelas está instalada a exposição “Protea”. São telas pintadas a óleo por artistas locais, que frequentam o ateliê. Os óleos, de cores fortes e vibrantes, por vezes se assemelham aos grafites vistos nas paredes de fora da casa, porém em tamanhos reduzidos, enquanto os desenhos e as imagens retratadas fazem alusão aos óleos pintados pela mexicana Frida Kahlo. São imagens impactantes, sobretudo algumas com úteros pintados, sangue vermelho-vivo, e rostos sofridos e cansados.

 

O Ateliê Daki está instalado no número 20 da Rua Rogério Fernandes há um ano e meio. Sem patrocínio de qualquer órgão ou verba pública, ele é como muitos centros de cultura localizados nas periferias de São Paulo: existe e resiste pela pura e simples vontade dos membros que o frequentam. Mantido por doações de tempo e dinheiro dessas pessoas, esses locais produzem...

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